Marco Legal das Startups é aprovado pelo Congresso Nacional

Gustavo Alvoreda
7 min readMay 14, 2021

Nessa terça-feira (11/05/21) a Câmara dos Deputados concluiu a votação do PLP 146/2019 e o encaminhou à sanção ou veto presidencial, o que deve ocorrer em até 15 dias úteis.

Esse artigo não tem o intuito de esgotar o tema e a discussão, que já vem de longa data.

É fato que o Projeto de Lei Complementar n° 146/2019 (reconhecido como “o Marco Legal das Startups”) levantou uma série de questionamentos de especialistas no tema, desde a sua concepção.

Por outro lado, durante a tramitação oficial do projeto foram chamados a opinar perante o legislador os representantes de diversas entidades conhecidas do mundo “startupeiro” e do VC, como: a ABStartups, Dínamo, ABVCAP, Cubo Itaú, Assepro, entre outras, assim como membros da Comissão de Valores Mobiliários, OAB, advogados de escritórios renomados e também nomes bastante conhecidos por aqueles que atuam no setor.

É verdade que a discussão legislativa nem sempre acompanhou os melhores argumentos dos especialistas, que, em certo ponto, questionavam a própria necessidade de um “Marco Legal das Startups” para conferir maior segurança jurídica e incentivos a esse tipo de iniciativa.

Nesse sentido, havia muito ceticismo sobre o produto final da atividade legislativa.

Corroboraram para essa sensação inúmeras emendas apresentadas e falas mal colocadas em discussões que aconteceram nas sessões da Câmara e do Senado, em geral, com certo grau de oportunismo e que pouco guardavam relação com o tema proposto (nenhuma novidade até aqui para você que acompanha a discussão no Congresso, ou já acidentalmente “sentou” no controle remoto e assistiu por 5min a TV Senado ou Câmara).

Não faltaram alertas de que a sociedade civil poderia desembarcar do projeto, mas, ao final, algumas arestas foram aparadas e o projeto acabou se consolidando na forma votada na Câmara dos Deputados na última terça-feira (11/05).

Acredito que haja bons motivos para sermos otimistas quanto ao produto final, que deve ser sancionado pela presidência em breve. Embora ainda haja incertezas quanto à sua aplicação.

Você já ouviu a famosa frase de que “no Brasil até o passado é incerto”? Pois é.

Apesar de tudo, acredito que no resultado final do texto do Marco Legal das Startups (“MLS”), construído pelo relator na Câmara, o dep. Vinícius Poit (NOVO-SP), há elementos que possam trazer renovadas esperanças para investidores e empreendedores, quanto às suas legítimas expectativas de:

1. Flexibilização das amarras burocráticas que sufocam o empreendedorismo no país; e

2. Pacificação de alguns temas que vêm trazendo insegurança jurídica para o investimento em startups, principalmente para o investimento early-stage realizado, sobretudo, por investidores-anjo, o pontapé inicial para que uma boa ideia, produto e time possam florescer e impactar a sociedade em geral.

Vamos lá aos pontos que, acredito, foram acertos do legislador..

O INVESTIDOR-ANJO NÃO É SÓCIO (MAS PODERÁ QUERER SER).

A opção legislativa do MLS entrou por avenidas que não haviam sido exploradas pela Lei Complementar n° 155/2016 (“Lei do Investimento Anjo”).

Ao reconhecer expressamente os instrumentos de dívida conversível, sendo os mais utilizadas a debênture conversível e o mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa — além da opção de compra de ações da empresa outorgada ao investidor - o legislador positivou a prática do mundo de VC no mundo jurídico.

Será isso suficiente para eliminar riscos e incertezas quanto ao entendimento do Judiciário desses instrumentos contratuais atípicos?

Ainda é cedo para dizer, mas é um passo importante, há que se reconhecer, que ainda não havia sido dado.

As diretrizes de interpretação para o Judiciário (que deverá harmonizar o seu entendimento sobre o MLS com os demais diplomas legais, por exemplo, o Código Civil) já foram traçadas pelo texto do projeto, merecendo destaque a seguinte disposição:

“Realizado o aporte por qualquer das formas previstas neste artigo, a pessoa física ou jurídica somente será considerada quotista, acionista ou sócia da startup após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária.” (art. 5°, §2°, MLS).

É POSSÍVEL O INVESTIDOR “COMPENSAR” AS PERDAS NOS GANHOS, PARA FINS TRIBUTÁRIOS? SIM, AGORA É.

Para aqueles que investem em startups — e reconhecem o alto risco da aposta — a máxima de que apenas cerca 1% das startups se tornam unicórnios (valor de mercado superior a U$D 1bi), segundo estudos e pesquisas da Kaufmann Foundation, CB Insights e SV Angel, já está internalizada.

O legislador parece ter partido da premissa acima ao entender que certos negócios do investidor-anjo não o levarão a ganhos expressivos, sendo em alguns casos possivelmente, a melhor alternativa o “perdão” dívida (conhecido como “write-off”), pelo investidor que assinou um contrato de mútuo conversível, ao invés de a exigir o repagamento.

Nesse sentido, é muito bem-vinda a iniciativa do MLS em oferecer um caminho para que o investidor individual em startups possa compor o cálculo tributário dos ganhos de capital dos valores aportados, subtraindo as perdas dos investimentos que não prosperaram.

Para se formar uma estratégia de alocação de portfólio individual, isso faz total sentido, e deve ser encarado como um verdadeiro incentivo para o investimento-anjo, seja investindo diretamente ou via redes (syndicates), em negócios nascentes de tecnologia.

O INVESTIDOR-ANJO NÃO RESPONDE POR DÍVIDAS DA STARTUP.

Neste tópico, é possível se dizer que o legislador “choveu no molhado” pois alterações recentes no Código Civil, promovidas pela “Lei de Liberdade Econômica”, além da própria Lei do Investimento Anjo reforçaram a autonomia patrimonial do investidor (sócio ou não) frente às obrigações da sociedade investida.

Ou seja, uma tentativa nobre de se fazer entender que um investidor-anjo não deve ser responsabilizado pessoalmente, com seu patrimônio, por dívidas que foram contraídas pela empresa investida, ainda que aquele venha a figurar no quadro de sócios da startup.

Há uma discussão jurídica imensa quanto a isso, sobre como o conceito legal da limitação da responsabilidade do sócio por dívidas da empresa foi esvaziado na prática pela jurisprudência, sobretudo, aquela formada pela justiça trabalhista[1].

No entanto, não devemos ser ingênuos a ponto de acreditar que esse problema será corrigido do dia para a noite.

De todo modo, acredito ser possível classificar também como um acerto o artigo 8° do projeto que reforça as situações mais frequentes em que, na prática, ocorrem a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar fundos dos sócios a fim de quitar dívidas da empresa (recuperação judicial da empresa, execução de dívidas trabalhistas e fiscais) além de reunir as hipóteses gerais a que a aplicação desse instituto por juízes deveria se limitar (dolo, fraude ou simulação com o envolvimento do investidor).

Agora, uma série de iniciativas que podem beneficiar milhares de empreendedores…

PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA DE BALANÇO E DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS E REGISTRO ELETRÔNICO DE AÇÕES

Ao encontro de iniciativas recentes, o MLS possui previsão de que a companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) poderá:

· Realizar publicações de que trata a Lei das S.A.de forma eletrônica, ao invés de em jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia, o que implicará na diminuição razoável de custos a uma startup; e

· Substituir os Livros Sociais (Registro e Transferência de Ações Nominativas) físicos, registrados na Junta Comercial competente e arquivados na sede da companhia, por registros eletrônicos.

ACESSO AO MERCADO DE CAPITAIS

O MLS provoca a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”, para os mais íntimos) a regulamentar o acesso de companhias de menor porte (receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões) ao mercado de capitais.

Para tanto, algumas barreiras de entrada poderão ser eliminadas ou moduladas, como:

I. Obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas;

II. Obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários;

III. Recebimento de dividendo obrigatório pelos acionistas;

IV. Forma de realização de publicações; e

V. Forma de apuração do preço justo e sua revisão.

Outra previsão interessante, é a equiparação de fundos de investimentos às condições de aporte de capital dos investidores-anjo. A ver como isso deverá regulamentado pela CVM.

PROCESSO SIMPLIFICADO DE PEDIDO DE REGISTRO DE MARCAS E PATENTES

Foi criado um regime especial para startups, intitulado de Inova Simples, que:

“concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda.”

Uma das iniciativas já anunciadas será um regime simplificado de solicitação ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) de pedidos de registro de marcas e patentes.

Além disso, as solicitações de startups ao INPI deverão ser analisadas em caráter prioritário, determina o MLS.

Conclusão

Se os acertos do legislador serão capazes de coordenar acertos daqueles encarregados de aplicar a lei, isso o MLS não é capaz de assegurar (assim como nenhum outro projeto aprovado pelo Congresso Nacional).

Na minha leitura inicial do projeto, acredito existirem razões e argumentos no texto legal do MLS que podem trazer esperanças ao empreendedor e investidor em startups no Brasil.

Convido você — leitor — ao debate exploratório de mais razões para tanto, ou, caso discorde da minha leitura do projeto, para nos convencer de que há espaço guardado na estante dos projetos de lei que “não pegaram” ao Marco Legal das Startups, categoria jurídico-sociológica nativa e muito comum em terras brasileiras, vale ressaltar.

[1] Para aqueles que gostariam de se aprofundar, recomendo a leitura de “O Fim da Responsabilidade Limitada no Brasil”, do brilhante Prof. Bruno Meyerhof Salama (UC Berkeley School of Law, USA), com quem tive o prazer de aprender um pouco de Direito e Economia, em suas inesquecíveis aulas e discussões de corredor na FGV Direito SP. Em resumo, o grande perigo do esvaziamento do conceito da limitação da responsabilidade pela prática da Justiça Brasileira é o de desfigurar, em sua essência, a função econômica do instituto jurídica que, em poucas palavras, é a de permitir uma alocação eficiente de recursos por qualquer empresário, sem incorrer no risco de comprometer seu patrimônio, como “garantia” do montante de investimento realizado.

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